9 de maio de 2013

Cap. VI - Paixões perigosas

Aproxima-se o final do campeonato de futebol.
Brevemente mais um Porto-Benfica, e certamente mais um triste espetáculo fora das quatro linhas, antes e depois do jogo, aliás como sempre tem acontecido nos anos mais recentes entre os dois clubes, tanto lá, como cá. Fico sempre sem perceber se estamos a falar de um jogo de futebol, ou de uma qualquer saga Aljubarrotesca.
Como em todos os anos anteriores, provocações e mais provocações, polémicas e mais polémicas, insultos e mais insultos, faca e alguidar, “sujinhos” e “limpinhos”.
Isto já para não falar dos muitos casos de violência recentemente registados em diversos campos de futebol.

Caros amigos, alguma coisa não está bem neste mundo de hoje que se diz avançado e moderno. Estamos doentes, a demência invadiu-nos. Até quando, a ira, o ódio e a cegueira tomarão conta de nós?
Será que não conseguimos ter um laivo de inteligência para perceber que se trata apenas de um jogo, que dura 90 minutos, e que o resultado de tudo isto, apenas serve vinte e tantas criaturas que ali andam, e mais uns quantos que vivem à custa daquilo?

Vivi o futebol como adepto, durante 30 anos e afastei-me quando senti que as paixões estavam muito para lá da racionalidade e do bom senso.
Assisti a muitos Benfica-Porto e Porto-Benfica. Sempre houve em tempos, uma forte rivalidade entre ambos e um ambiente fogoso nesses jogos. Iam famílias juntas ao futebol, mesmo com camisolas diferentes. Quando chegávamos aos jogos internacionais, rejubilávamos com as vitórias portuguesas, independentemente da cor do clube. Até aqui tudo bem e normal.
Nos últimos anos, porém tudo se alterou, e para pior. Passou-se a falar de muita coisa, menos do jogo em si.
Já pensaram bem naqueles espetáculos deprimentes de centenas de polícias a acompanhar as claques antes e depois dos jogos? Sabem quem paga tudo isso?
Já pensaram bem nos sucessivos casos de violência, cada vez que se encontram os dois clubes, não só no futebol mas também nas outras modalidades?
Já pensaram bem, nos amigos que se perdem, nas discórdias entre familiares, nas desavenças entre colegas, tudo por causa do futebol?
Já pensaram que, cada vez que fazemos comentários odiosos sobre o adversário, estamos também a ofender diretamente os nossos amigos que sejam adeptos desse clube?

Oh meu Deus, será que vale a pena tudo isto?
Perdemos a cabeça e ainda não demos por ela…
Há culpados? Claro que sim, a começar pelas lideranças de ambos os clubes nos últimos anos, assumindo este desígnio como troféus pessoais dos seus egos, mesmo que isso custe uma crispação desobstinada dos seus seguidores. As vingançazinhas pessoais entre compadres, acabam por se alastrar às massas alucinadas, dando assim origem a esta festança de triste cenário, não escapando sequer as claques, que fazem de cruéis figurantes deste enfadonho cortejo.
Para ajudar à pesarosa procissão, e a este ambiente de cortar à faca, temos ainda um “grupinho” de insuportáveis falantes televisivos, a quem chamam de comentadores desportivos, e que mais não fazem do que um concurso entre os próprios, para ver quem leva o troféu de berrar mais alto e de dizer mais disparates, sem que se perceba porque falam eles de futebol, se dele nada percebem. Cheiram a encomenda, mas podiam enviar-nos em embrulhos de melhor escolha…

Será que ainda não perceberam que toda esta tacanha guerrilha, incendiada e alimentada por toda esta gente atrás referida, desde o topo, até às bases, tem como único objetivo, cegar-nos e exacerbar cada vez mais a nossa paixão, para continuarmos a ser contribuintes ativos dos clubes? Que seriam eles, sem a vossa paixão e a vossa nobre contribuição?

É engraçado, vivemos num tempo em que muitos se queixam de não haver sequer dinheiro para a sopa dos filhos, mas se calhar, para esses mesmos queixosos, o bilhetinho dos jogos é sagradinho.
Não perceberam ainda que é isso que querem, os senhores que promovem esta batalha sem tréguas? Bem me parece que não perceberam … A paixão é tanta que chega a tolher-nos.

É tempo de sermos gente adulta, pensarmos pela própria cabeça e formarmos a nossa própria opinião. Esta coisa dos adeptos seguirem e copiarem os discursos cínicos dos seus “deuses”, revela uma preocupante psicopatia de perigosas consequências.

Podemos ter paixões? Claro que sim, mas também podemos ser independentes na opinião, racionais e mentalmente bem formados.
Talvez um dia, eu venha a perceber onde se misturam as paixões que se tem pela mulher ou namorada, com a que se tem pelo clube. Ou será que é tudo a mesma coisa? Pelo menos a palavra paixão é a mesma…

No final desta peça, dirão alguns: “Este não sabe o que é paixão”. Sei sei, podem crer que sei. Sei o que é paixão pela família, paixão pelos amigos, paixão pelo trabalho e sobretudo paixão pela vida, por esta mesma vida que eu já estive perto de perder. Talvez por isso mesmo, não consigo comparar sequer estas paixões que tenho, com a paixão doentia por um clube, e muito menos, servindo-me disso para achincalhar e humilhar os que me rodeiam.

Se tenho um clube preferido? Ah claro que tenho, e torço por ele, mas isso não nos deve tirar a lucidez, resvalando para o cinismo e provocações de nível foleiro.

Pensando bem, se calhar até nem estamos a falar de um problema de paixão por um clube, pois o que se está a tornar normal nos dias de hoje, é que mais importante que o nosso clube ganhar, é que o rival perca, seja onde for e de que forma for. Isso sim, parece ser o mais importante.
O que pesa mais então ? A paixão pelo nosso clube, ou o ódio pelo rival? Eu já tirei as minhas conclusões…

Talvez nunca se tenham apercebido que, ao manifestarem ódio por um clube, e pelos seus adeptos, como agora é moda, atingem também os vossos amigos que são adeptos desse mesmo clube. E não adianta disfarçarem, ou fazer de conta que essas ofensas são dirigidas só para alguns. Desenganem-se… Todos se sentirão ofendidos, naturalmente.

É curioso que, os que criticam o fanatismo religioso, o fanatismo político e outros fanatismos, são muitas vezes os mesmos que alimentam e potenciam o fanatismo por um clube de futebol, capazes até de o levar ao extremo da provocação e da violência. Então, qual é a diferença ? Há um fanatismo mau que é dos outros, e o nosso é de boa qualidade? Não será isto também uma forma de racismo, que muitos dizem condenar mas, pelos vistos, praticam-no?

Não meus amigos, nada disto está certo.
Estamos a falar só de um jogo.
A nossa vida é muito mais do que isso. A nossa vida, por si só, já é um jogo, e um jogo de alto risco, que não se compadece com estas crueldades que nos diminuem o equilíbrio mental.
Até posso, interiormente, discordar de um penalty ou de um cartão vermelho, mas nunca me viram, nem verão, a comentar ofensivamente aqui no facebook, nem em lado nenhum, peripécias de um jogo destes, e muito menos a copiar e a exibir triunfalmente, imagens com insultos e provocações, como se vê tão frequentemente. Sabem porquê? Porque tenho amigos e familiares em ambos os clubes, e por muito que isso pareça estranho nos dias de hoje, a minha paixão por esses familiares e amigos, ainda é, e sempre há-de ser, muito superior à paixão por qualquer clube.

Fico triste com os comentários miseráveis que por aqui vão passando, domingo a domingo, esquecendo os seus autores e publicadores, que nas suas páginas estão centenas de ”amigos” e muitos deles do clube adversário. Rica forma esta de tratar os “amigos”…

Além do mais, há uma palavra chave que se perdeu muito na sociedade portuguesa e, claro, o futebol não foge à regra: RESPEITO. E é esse mesmo respeito que me merecem os meus amigos, que antes de serem portistas ou benfiquistas, são seres humanos com dignidade, a quem eu respeitarei sempre, até perder o juízo algum dia.
Lembrem-se que nunca poderão ser respeitados se não respeitarem os outros. A melhor forma de respeitar o adversário é felicitá-lo pela vitória, ou consolá-lo na derrota, mesmo que isso nos custe. Se assim o fizermos, amanhã receberemos certamente da mesma moeda…
Habituei-me a cumprimentar sempre os meus adversários, quando perdi e quando ganhei. Foi assim no passado e sempre assim será. Talvez por isso, até hoje, nunca fui desrespeitado ou ofendido por nenhum deles. Aliás, a grande maioria dos meus amigos, são do clube rival e isso satisfaz-me porque sabemos ambos onde acaba a paixão e começa a amizade.

Uma última palavra para os mais jovens.
Não caiam nesta armadilha. Vocês ainda estão a tempo de não se deixarem manipular por esta guerra sem sentido. Saibam ganhar e saibam perder, mas acima de tudo, formem vocês próprios a vossa opinião, sem ódios nem fundamentalismos.
Não copiem ninguém, sejam genuínos, criativos e sensatos.
Não expliquem aos mais velhos como se faz, mas comecem vocês mesmos a fazer de uma forma diferente e a mudar as vossas mentalidades. Seguramente que os mais velhos vos seguirão.
A grande maioria dos jovens, pratica desporto e conhece melhor que ninguém, as palavras desportivismo, tolerância e Fair Play. Apliquem isso na vossa vida e até nas vossas paixões clubísticas. Serão assim o melhor exemplo que a sociedade espera de vós.

E pronto, está terminada a minha missão. Não deduzam deste meu “desabafo”, qualquer pretensão de dar uma lição de moral, seja a quem for, claro que não, mas parece-me que estamos a confundir o desporto, ou paixão, com outra coisa qualquer. Tudo isto pode explodir a qualquer momento e com consequências impensáveis.
Talvez valha a pena descermos à terra e respeitarmo-nos mutuamente.
Brincar e gracejar, sim, até pode ter piada, mas provocar, enxovalhar ou caluniar, não é seguramente, a melhor forma de elevarmos a palavra amizade.
90 minutos não substituem a força de uma relação, às vezes de muitos anos.
O fanatismo, a provocação e o cinismo, matam, mesmo que nos traga aparentes e fugazes prazeres.
Recuperemos o bom senso. A vida já nos dá muitas preocupações.

Vivam o futebol, como um espetáculo, com rivalidade, com emoção e com o coração sim, mas também com a razão, e sobretudo, com EDUCAÇÃO. Quer de um lado, quer do outro.

Pensem nisto … Antes que seja tarde !...

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